quinta-feira, 16 de setembro de 2010

GRAÇAS A DEUS PELOS ALÓGENOS

Mais um milagre estudado no culto da semana e mais um versículo que chamou a atenção para a reflexão neste blog. O evangelista Lucas mostra uma certa predilecção por casos com samaritanos, os quais abrangem o evangelho e o livro de Actos. Isto significa que, de vez em quando, o evangelista procurou dar uma lição, através do ministério de Jesus, claro, a certos crentes judeus que se achavam os únicos herdeiros da salvação. No episódio relatado em Lucas 17:11-19, cujo título alguns comentaristas gostariam de alterar para “A gratidão do samaritano” ou “A ingratidão dos nove”, lemos a seguinte frase de Jesus: “Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?”. O ponto interessante está nesta palavra “estrangeiro” que em grego se translitera por allogenês. Só Lucas utiliza esta palavra. Foi esta palavra que deu origem ao termo português “alógeno”. Com o importante trabalho da arqueologia encontraram uma pedra que fazia parte do muro do templo com um aviso muito sério, que dizia: “Nenhum estrangeiro (allogenê) deve entrar no perímetro do templo. E qualquer que for apanhado só terá de se culpar a si pela morte subsequente”. Como se pode ver temos a mesma palavra na inscrição e que eu destaquei no texto em baixo.












Certamente, os cristãos judeus continuavam a pensar que os samaritanos e até os gentios só teriam direito à salvação se guardassem os preceitos judaicos, ou, por outras palavras, as suas tradições, cultura e pensamentos. Lucas, porém, quer ajudar estes crentes a não serem sectários, mas a saberem viver com todas as pessoas, ainda que tenham origens diferentes. Logo no versículo 11, ele descreve Jesus como aquele que está entre dois povos para os unir (passa entre [em grego: meso] Galileia e Samaria). Dos dez leprosos, esperava-se que pelo menos os judeus voltassem para dar glória a Deus, mas, pelos vistos, preferiram ficar em casa, satisfeitos com a sua limpeza cerimonial. De acordo com alguns eruditos, parece que havia mais samaritanos do que judeus no tempo do Novo Testamento (cf. J. Bowman, The Samaritan Problem, Pittsburgh Theological Monograph Series, No. 4, 2004), o que fazia a diferença na propagação do evangelho. Eles também faziam parte do plano de Deus.
Transpondo esta lição que Lucas dá ao povo judeu para os nossos dias, gostaria de expressar a minha tristeza quando ouço algumas pessoas reclamarem que as nossas igrejas estão cheias de “estrangeiros”. Ainda bem que são só algumas. No entanto, é necessário colocar o dedo na ferida e dizer que, se não fossem estes “alógenos”, os pastores não teriam ninguém a quem dar o estudo bíblico no culto da semana, porque os portugueses estão cansados demais para saírem de casa. Se não fossem estes alógenos que “invadiram” as nossas igrejas, não havia pessoas para o louvor, para a música, para a liderança, para a evangelização e outras actividades das igrejas. Graças a Deus por estes alógenos que se juntam a nós para louvar a Deus em alta voz. Não queremos colocar a inscrição de aviso que os judeus tinham à entrada do templo nas nossas igrejas, porque em Jesus Cristo não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher. O que é preciso é encaixar tradições e culturas diferentes umas nas outras e formar um só povo que louva a Deus e testemunha do Seu amor.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

ELEIÇÃO OU DETERMINISMO

Na lição da Escola Bíblica Dominical de domingo passado, lemos o texto da epístola aos Efésios que diz o seguinte: “como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor” (Ef. 1:4). É evidente que este versículo levanta a questão da doutrina da eleição. Uns vêem esta doutrina como um acto soberano de Deus, ao qual ninguém terá possibilidade de dizer “não”, e que se torna um paradoxo com o livre arbítrio do ser humano. De acordo com esta ideia, que foi desenvolvida por Calvino, as pessoas que Deus escolheu para serem salvas serão salvas quer queiram quer não.
Entretanto tenho acompanhado as minhas leituras com o comentário aos Efésios que Marcus Barth escreveu para a colecção da Anchor Bible, o que me levou a transcrever um trecho das suas reflexões para podermos reflectir também sobre este assunto. Para este texto que citamos acima, ele escreveu um trecho de 4 páginas e meia sobre “Eleição em Cristo versus Determinismo”. Ele começa por apresentar seis razões por que a epístola aos Efésios “não poder ser a carta régia sobre a predestinação eterna de uma parte da humanidade para a bem-aventurança, e a outra parte para o inferno”. (Seria interessante analisar cada uma destas razões, mas o texto tornar-se-ia longo demais. Talvez numa outra oportunidade.) O seu objectivo é demonstrar que a doutrina da eleição é distinta do ensino sobre determinismo. Em seguida, ele apresenta 4 definições para a fórmula “em Cristo” que ele considera fundamental para a interpretação desta doutrina. Por fim ele escreve a sua conclusão do estudo que fez.
“Agora, pode-se chegar à conclusão que se distingue, decisivamente, entre a eleição de Deus, como é louvada em Efésios, e uma crença fatalista num decreto absoluto. Se a pessoa de Jesus Cristo é o objecto e o sujeito primário, o segredo revelado e o instrumento da eleição de Deus, e se ele representa todos os eleitos, então todas as noções de uma vontade, de um testamento, de um plano e de um programa de Deus fixos não são só inadequadas como também contrárias ao sentido de Efésios 1. A eleição não consiste na criação de um esquema que divide a humanidade em dois grupos opostos. Muito mais é aquela ligação de amor de pessoa para pessoa que existe na relação entre Deus e Seus Filho e é revelado somente pelos eventos que manifestam esse relacionamento. Assim, eleição nada tem a ver com uma prescrição ou plano. A eleição de Deus não é um decreto absoluto, mas está relacionado com o Filho, a sua missão, morte e ressurreição. O amor de Deus do Messias não está legislado nem afixado num livro. É um assunto do coração de Deus. Enquanto um esquema ou plano deve ser realizado de acordo com a letra, Jesus Cristo não recebeu uma descrição detalhada do seu trabalho. Pelo contrário, é-lhe dada a responsabilidade de agir livremente naquilo que agrada ao Pai. Para repetir uma observação anterior, um deus que tem destinado cada detalhe antecipadamente pode reformar-se ou morrer. A sua presença já é requerida. Mas o pai que revelará o seu amor e governo através do Filho vigia sobre o Filho, ouve as suas orações, vê a sua agonia, levanta-o dos mortos e derrama o Espírito dado ao Filho sobre muitos. Ele não permite que o sangue do Filho seja derramado em vão. Embora, na forma e substância, a acção de graças de Efésios 1se assemelhe às declarações judaicas (especialmente apocalípticas) contemporâneas, as palavras ‘em Cristo’ e a ênfase colocada na relação de Cristo com Deus e o homem revelam o carácter singular desta proclamação cristã da eleição eterna. O texto de Efésios 1 dá testemunho do Deus vivo, o Pai, o Filho e o Espírito. Tudo o que é dito é pessoal, íntimo e funcional. Um convite ao fatalismo sob o esquema da dupla predestinação ou outro plano determinista não se pode encontrar aqui.”
(Marcus Barth, Ephesians 1-3, vol. 34, The Anchor Bible, New York, Doubleday & Company, 1986, 11ª edição, 105-109)