terça-feira, 30 de novembro de 2010

ORDEM HIERÁRQUICA NA FAMÍLIA?

Olhamos à nossa volta e verificamos que as sociedades se estruturam em dois pólos: os que mandam e os que obedecem. Aristóteles, na sua obra Política, logo no primeiro livro, defendeu que a hierarquia é uma coisa da natureza, que uns nasceram para governarem e outros nasceram para serem governados. Ele argumenta com referências ao reino animal e com as estruturas sociais, onde há homens livres e escravos. Da mesma forma, este princípio que se encontra na natureza é aplicável à estrutura familiar. O homem nasceu para comandar, enquanto a mulher, para obedecer. No capítulo XIII, deste mesmo livro, ele afirma que há tipos diferentes de governo, como por exemplo: o homem livre governa sobre o escravo de forma diferente daquela que o macho governa sobre a fêmea, ou o homem sobre a criança. Ele parte do princípio de que a alma está em cada um deles, mas em graus diferentes. O escravo não tem qualquer faculdade deliberativa; a mulher tem, mas não possui autoridade; a criança tem, mas é imatura. As virtudes morais também diferem na hierarquia. Já Sócrates dizia que a temperança, a coragem e a justiça de um homem e de uma mulher não são as mesmas. Por isso Aristóteles conclui: a coragem de um homem é demonstrada no comando, a de uma mulher, na obediência. E, segundo ele, isto aplica-se a todas as outras virtudes. Quem lê toda a obra de Aristóteles verifica, à semelhança de eruditos como Lührmann, Thraede e Balch, que os códigos domésticos (que os alemães chamaram de Haustafeln) apresentados no Novo Testamento são idênticos. Os pontos de contacto são: 1) relacionamentos entre três pares de classes sociais – homem e mulher, pais e filhos, senhores e escravos; 2) estas classes estão relacionadas reciprocamente; 3) uma das classes sociais é a que decide enquanto a outra é a que obedece. Isto mostra que, a princípio, havia uma aceitação tácita das estruturas sociais no início do Cristianismo, em parte, porque se esperava que Jesus viesse muito em breve, o que levava os crentes a pensarem que o melhor era viverem naquelas circunstâncias, fazendo tudo “em nome do Senhor Jesus” (Col. 3:17).


Mas o contexto do código doméstico em Efésios (5:22-6:9) mostra-nos que há um objectivo diferente. A secção deve começar no versículo 21 que diz: “sujeitando-vos uns aos outros, no temor de Cristo”. O autor da epístola procura defender a unidade dentro do corpo de Cristo e utiliza as estruturas sociais para demonstrar que toda a igreja deve obedecer a Cristo. É por isso que ele desenvolve o seu pensamento, em comparação com Colossenses (3:17-4:1), dizendo que “somos membros do seu corpo”. E depois de citar o grande propósito de Deus para o casal, que é unirem-se e serem os dois uma só carne, ele conclui que este é um grande mistério no que concerne a Cristo e à igreja (Ef. 5:32). O ideal de Deus é que no relacionamento entre duas pessoas que têm Cristo no coração não haja hierarquias, mas unidade de pensamento, sintonia, harmonia e procura de alvos comuns.

Paulo, na sua carta aos Coríntios, depois de apresentar o conceito corrente entre os judeus sobre a origem do homem e da mulher, conclui que “no Senhor, nem a mulher é independente do homem, nem o homem é independente da mulher; pois, assim como a mulher veio do homem, assim também o homem nasce da mulher, mas tudo vem de Deus” (1 Cor. 11:11-12). É este mesmo Paulo que em Gálatas escreve: “Pois todos sois filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus. Porque todos quantos fostes baptizados em Cristo vos revestistes de Cristo. Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (3:26-28). Este princípio de unidade, na fé cristã, não estabelece hierarquias. O seu grande objectivo é dizer que Deus não faz acepção de pessoas, pois todos têm os mesmos direitos. Este é um princípio que vai contra os costumes da época defendidos pelos filósofos.

O ensino de Jesus é categórico sobre a questão da hierarquia entre pessoas crentes. Embora ele se dirigisse aos discípulos, o texto bíblico é para todas as pessoas que constituem a igreja. Marcos relata que Tiago e João tentaram a sua sorte pedindo a Jesus um lugar de destaque, mas a resposta de Jesus foi clara: “Sabeis que os que são reconhecidos como governadores dos gentios, deles se assenhoreiam, e que sobre eles os seus grandes exercem autoridade, mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o vosso servo; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro será servo de todos” (as palavras em itálico correspondem aos termos gregos diákonos e doulos respectivamente). Não há hierarquias na comunidade cristã, mas serviço e submissão mútua, para haver harmonia, unidade e paz. Este mesmo princípio deve ser aplicado na vida familiar.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

NASCIDO "EM" OU "COM" PECADO?

Um dos textos que é usado para se defender que já nascemos com pecado, e, por isso, somos pecadores, é o Salmo 51:5. Era este mesmo versículo que o famoso e teólogo Agostinho usava para apoiar a sua ideia de que a raça humana é depravada como resultado do pecado de Adão, que se foi transmitindo de pessoa para pessoa, pelo que mesmo os infantes que não forem baptizados são culpados e não herdam as bênçãos dos céus.
Em relação ao texto supra citado a tradução de João Ferreira de Almeida diz: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. A Versão da Imprensa Bíblica Brasileira traduz: “Eis que eu nasci em iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”. A edição da Sociedade Bíblica de Portugal em português corrente escreve: “Na verdade, sou mau desde que nasci; sou pecador desde o ventre da minha mãe”. Por fim, a Bíblia do Homem enfatiza: “Sei que sou pecador desde que nasci, sim, desde que me concebeu minha mãe”. As duas últimas versões procuram realçar a natureza pecaminosa do ser humano desde a sua concepção. Dão a ideia de que no momento da fecundação já a pessoa é má ou pecadora, desde o momento da sua existência adquire um “gene” qualquer que o marca para sempre. As duas primeiras versões já dão outra ideia ao utilizarem a preposição “em”. Só falta saber em que sentido se usa esta preposição. Em hebraico a preposição be tem três significados: em; junto; com. Os conceitos que o Léxico apresenta em relação à tradução “com” nunca inferem algo inato. Mas quando a preposição é traduzida por “em”, ela transmite um estado ou condição, quer seja material ou mental, na qual ocorre uma acção. Desta forma, o salmista está consciente que quando foi formado já havia um estado de iniquidade e nasceu num ambiente de pecado.
O estudioso do Antigo Testamento Mowinckel afirma que o autor sabe que “desde o seu nascimento está manchado com pecado”, mas mais adiante já diz que esta frase “não implica qualquer doutrina de «pecado original»”. No entanto, o que ele quer dizer é que o ser humano começa a pecar, ainda que inconscientemente, desde o seu nascimento numa ou noutra coisa (The Psalms in Israel’s Worship II, 14). Mas esta interpretação contradiz os versículos anteriores, onde o salmista claramente afirma que pecou contra o Senhor e que conhece as suas transgressões. Afinal ele tem consciência do que fez. Entretanto, ele reflecte que todo o ambiente à sua volta, desde o seu nascimento, é um ambiente de pecado. Ele descreve o estado da humanidade em geral.
É evidente que a questão que se coloca é sobre a culpa. Como é que o ser humano se torna culpado diante de Deus? Se ele já nasce com a marca do pecado ou se já está geneticamente fadado ao pecado, como poderá ele ser culpado diante de Deus? Já no tempo dos profetas Jeremias e Ezequiel havia o conceito de que os filhos recebiam a culpa dos pais, mas eles foram categóricos em dizer que tal conceito estava errado. “Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que nunca mais direis este provérbio em Israel… a alma que pecar, essa morrerá” (Ez. 18:2-3); “cada um morrerá pela sua iniquidade” (Jer. 31:30). De acordo com as Sagradas Escrituras, “o homem é culpado perante Deus por causa do seu pecado pessoal, não porque herdou uma culpa estranha que remonte ao primeiro homem e à primeira mulher” (Dale Moody, The Word of Truth, 289).