quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

A VERDADEIRA ORIGEM DO NATAL


De ano para ano assiste-se, cada vez mais, à secularização do natal (até nem me dá vontade de escrever com letra maiúscula), porque o ser humano continua a perder a noção da sua verdadeira origem. E quando uma pessoa perde a noção da origem do que quer que seja, começa a ficar confuso, começa a duvidar do material, começa a ter laivos de superioridade e começa mesmo a perder a sua identidade. É o que acontece com certas pessoas que chegam ao poder e perdem a noção das suas origens. 

Atrevo-me a dizer que não há ninguém que não goste de conhecer as suas origens. Com frequência ouço pessoas a falarem das suas origens com um sentimento de orgulho. É verdade. O conhecimento das nossas origens dá um maior sentido à nossa vida. O mesmo acontece com o Natal. Só quem conhece a sua origem é que compreende o seu verdadeiro sentido. 

Não foi por acaso que, no passado longínquo, um dos quatro evangelistas procurou responder à pergunta sobre a origem de Jesus, contando quatro histórias sobre o seu nascimento e infância. Este evangelista é conhecido pelo nome de Mateus. O seu evangelho foi colocado no início do conjunto de livros que constitui o Novo Testamento, porque, certamente, é o único que liga, de forma clara, a mensagem do Antigo Testamento com a do Novo. 

Este conceito de origem está bem definido e realçado no evangelho de Mateus. Ele inicia o seu evangelho com uma genealogia que começa assim: “Livro da geração (em grego - genesis) de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão” (1:1). Pouca gente terá interesse em ler uma enxurrada de nomes mediados apenas com o verbo “gerar” (em grego - gennáo). No entanto, é importante notar que tanto o substantivo genesis como o verbo gennáo têm a mesma raiz gen, que dá o sentido de origem e geração. Com esta genealogia, Mateus dá o mote para a narrativa que se segue sobre o nascimento de Jesus. A preocupação pelas genealogias tinha a ver com a necessidade de se provar uma origem legítima, por isso até “o simples israelita conhecia seus antepassados mais próximos e podia dizer de qual das doze tribos provinha” (cf. Jeremias, Jerusalém no Tempo de Jesus, Edições Paulinas, 1983, 368ss.). Mas Mateus quer mostrar algo mais do que uma simples genealogia. Por isso ele usa a palavra genesis em vez de genealogia. A palavra genesis é a palavra que aparece no Antigo Testamento, segundo a tradução em grego, a Septuaginta (LXX), em Génesis 2:4 e 5:1. Ambas as passagens apontam para a origem sobrenatural do universo e do ser humano. Mateus provavelmente tinha em mente estes textos quando começou a escrever o seu evangelho. Ele também tem consciência plena de que a origem de Jesus, historicamente ligado a Abraão e a David, faz parte de um ato sobrenatural. 

É importante notar que Mateus utiliza o verbo gennáo para dizer que Abraão deu origem a Isaque, e este a Jacó e assim sucessivamente. Mas quando chega à pessoa de Jesus ele escreve: “e a Jacó nasceu (ou, deu origem) José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama Cristo” (1:16). Se o verbo em todos os exemplos anteriores está no Aoristo Indicativo da voz Ativa, neste versículo apresenta-se o Aoristo Indicativo da voz Passiva. Neste caso, os gramáticos são unânimes em afirmar que estamos perante uma ação divina. “O ‘passivo divino’ (ausente em 1:2-16a) alude à atividade do Espírito Santo na conceção de Jesus” (Davies e Allison, Matthew, vol. 1, T. & T. Clark, 1988, 184). A origem de Jesus tem uma dupla perspetiva: Por um lado, Jesus é original e legalmente reconhecido como filho de José, pois, diria E. Schweizer, “uma vez que José é legalmente o marido de Maria, Jesus é seu filho” (Matthew, SPCK, 1984, 25). Por outro lado, a origem de Jesus é divina. Como diria Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), “Mateus quer, logo desde o início, colocar na justa perspetiva a questão sobre a origem de Jesus” (Jesus de Nazaré - A Infância de Jesus, Princípia, 2012, 11). Com este sentido de “origem” Mateus está a perspetivar o novo ato de criação de Deus. Em Abraão começou a promessa de, através dele, todas as nações serem abençoadas. Numa primeira etapa, o percurso vai até David, o ponto alto, porque foi o rei a quem foi feita a promessa de um reino eterno. Mas teve o seu percalços. Numa genealogia de homens, há referência a quatro mulheres, as quais vêm de povos pagãos. Isto significa que Deus também dá uma nova origem a pessoas pagãs e supostamente pecadoras. Estes não estão fora dos planos de Deus. Numa segunda etapa, o percurso vai de Salomão até à deportação para a Babilónia. Com Salomão começou a decadência do reino. Ele introduziu o culto pagão no seu reino ao casar-se com  mulheres estrangeiras e deixar-se levar por elas. A idolatria foi a causa do cativeiro. Numa terceira etapa, o percurso vai de Salatiel até Jesus. A partir do caos e da falta de esperança para um povo surge a perspetiva de um novo começo com Jesus. 

Assim como do nada Deus deu origem a todo o universo incluindo o planeta em que vivemos e a partir da matéria criada formou o ser humano com todos os genes, também o Espírito Santo tem capacidade para introduzir o cromossoma Y no ventre de Maria para se juntar ao cromossoma X, para dar origem a Jesus. Portanto, o que aconteceu em Maria foi a criação de um ser com duas naturezas, uma humana e outra divina. Só o Deus criador tem poder para tal, isto é, para tomar a forma de humano e ser o Emanuel, palavra transliterada do hebraico que quer dizer “Deus connosco” (1:23)

A origem de Jesus é que dá sentido ao Natal. Portanto, quando falamos ou vivemos o Natal, estamos a dizer que Deus anuncia a novidade de vida. Viver o Natal é acreditar que ainda há esperança para o ser humano, porque o Deus que gerou Jesus é o mesmo Deus que pode gerar nova vida em cada um de nós.

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