sexta-feira, 12 de março de 2021

A SEGUNDA PARTE DE ISAÍAS

 Um certo escriba chamado Jeshua Ben Eleazar Ben Sira escreveu um livro em hebraico entre 190 e 175 a.C., que ficou conhecido como o livro de Jesus Ben Siraque (ou Sira), a partir do texto em Hebraico, e como Sabedoria de Siraque, a partir do texto em Grego, e Eclesiástico, a partir do texto em Latim. É neste livro, cujo inicio é muito semelhante a Isaías 40:12s., que ele afirma que Isaías, do tempo de Ezequias, foi quem escreveu esta parte do livro de Isaías. A certa altura ele afirma, depois de falar da relação entre Isaías e Ezequias, que Isaías “Pelo seu grande espírito viu os acontecimentos finais; E reconfortou aqueles que estavam de luto em Sião. E à eternidade mostrou as coisas que serão; Todas as coisas escondidas, antes de acontecerem” (Eclesiástico 48:24-25) (tradução de Frederico Lourenço, Bíblia, vol. IV, Quetzal, 2018). Este e outros textos rabínicos mostram claramente que a tradição judaica nunca contestou a unicidade e autenticidade do livro. 

Mas em finais do século XVIII, alguns especialistas começaram a notar que o pano de fundo dos textos de 40-66 dizia respeito ao momento do cativeiro da Babilónia e subsequente libertação por parte de Ciro (Doerdelein em 1775 e Eichhorn em 1782). É notória a indicação de que a cidade de Jerusalém está destruída (42:22-25). Para além do contexto histórico, também começou a surgir a análise literária. Os estudos feitos sobre as características destes capítulos concluem que são predominantemente anúncios e promessas de salvação, excertos de disputas ou controvérsias, oráculos com características de processos judiciais.

Perante tudo isto, tem-se concluído que se está na presença de uma coleção de textos que pode também ser dividida em duas partes. Uma que vai do capítulo 40-55 e outra do capítulo 56-66. 
Dentro da primeira parte (40-55), podemos ver que o capítulo 40 é uma espécie de prólogo para os textos que apresentam Israel como o servo de Deus, com a promessa de livramento através de Ciro, castigando a Babilónia e os seus deuses (41-48); e para os textos que demonstram o profeta como servo de Deus que é desprezado e maltratado através do qual Deus opera a salvação para Sião e para o Seu povo (49-55). 

Este prólogo liga-se com o epílogo pela referência ao que acontecerá ao deserto, aos montes e aos outeiros para que a glória do Senhor se manifeste. Em 40:3-5, os montes e os outeiros serão aplanados, “pois a boca do Senhor o disse”. Por seu turno em 55:11-13, os montes e os outeiros rompem em cânticos, pois é neles que crescem a faia e a murta, porque como acontece com a chuva que desce sobre a terra e faz brotar, “assim será a palavra que sair da minha boca”, diz o Senhor. Aquilo que o Senhor disse realizar-se-á na vida deste povo, que vive no meio da idolatria.

A primeira parte do Isaías Segundo (41-48) inicia o tema sobre “O Servo de Iavé”. Normalmente, tem sido corrente identificá-lo com uma figura ideal com carácter messiânico. Mas muitos dos estudos feitos nesta área têm contribuído para se concluir que é um erro negar a aplicação do termo ao contexto histórico. Bentzen diz que “é um erro negar que o Servo de Javé seja uma pessoa histórica” (Introdução ao AT, ASTE, 1968, 126). É notório que ele se cinge apenas aos poemas em 42:1ss, 49:1ss, 50:4ss e 52:13-53:12, para falar apenas de um indivíduo. No entanto, uma leitura mais abrangente, embora circunscrita apenas aos capítulos 41-48, leva-nos a concluir que este “servo de Iavé” diz respeito ao povo de Israel. Esta interpretação que vê o “Servo de Iavé” como um colectivo, isto é, como Israel, foi defendida por muitos eruditos começando, segundo Kaiser, com Budde (Introduction, Augsburg, 1977, 267). Parece que H. W. Robinson desenvolveu bem a ideia de uma personalidade corporativa ("The Hebrew Conception of Corporate Personality", Werden und Wesen des Alten Testaments, ed. P. Volz, BZAW 66, 1936, 49-62). Como se pode ver, a tónica está na constante menção de que o Senhor escolheu Israel para ser o seu servo (41:8-9,13; 42:1,6; 43:1,10; 44:1,21,26; 45:4; 48:20). As discussões intermináveis que têm havido sobre este tema resultam da preocupação em atribuir todos os textos ou a uma figura individual ou ao conceito corporativo. Assim sendo, Childs, procurando contribuir para este debate através do seu método canónico, aponta as falhas do método exegético histórico-crítico. Segundo ele, “o processo canónico preservou a tradição do servo numa forma que reflete uma grande variedade de tensões” por causa da visão do servo como uma realidade corporativa e como um indivíduo. Por isso ele conclui que “a diversidade dentro do testemunho não pode ser resolvida em termos da experiência passada de Israel, de preferência o passado teria de receber o seu significado do futuro” (Introduction to the OT as Scripture, SCM Press, 1979, 335-6). Portanto, para ele só há uma possibilidade que é interpretar os poemas como uma mensagem de esperança escatológica para o Israel futuro. Perante esta conclusão somos levados a pensar que a mensagem do profeta naquele tempo pouco ou nenhum significado tinha para os ouvintes coevos. 

Por outro lado, esta secção também mostra que este servo do Senhor nem sempre foi fiel e obediente. Então, Deus não se pode calar nem pactuar com uma atitude destas (42:14-21). É por essa razão que o povo está no cativeiro da Babilónia como povo saqueado, escondido e despojado (42:22); entregue ao anátema e ao opróbrio (43:28). Entretanto, Deus vai retardando a sua ira para que o povo não seja exterminado totalmente (48:9), mas deixa que seja provado “na fornalha da aflição” (48:10). 

Imbricados nos textos da escolha de Israel para servo de Iavé e as denúncias da rebeldia do mesmo estão os textos que expressam que Deus é suficientemente poderoso para livrar Israel da vergonha imposta pela Babilónia (41:14; 42:13; 43:11-14; 47:1-3; 48:20). Afinal, Deus continua a amar a nação de Israel e não a abandonou. Deus é de confiança, pois ele cumpre aquilo que promete. 

Estes poemas do profeta são como que uma resposta a certas queixas, lamentos e até dúvidas que o povo expressa (cf. 40:27; 41:20-21; 43:18,22,26; 45:9-10,21). Todos estes discursos fazem lembrar o que se passou com o povo de Israel na travessia do deserto depois da saída do Egipto. Portanto, estes primeiros capítulos parecem identificar o “Servo de Iavé” com o povo de Israel, o qual deveria prestar atenção aos mandamentos de Deus, para que a paz e a justiça fosse uma realidade no seu meio (48:18-19). Este redundante falhanço do povo não impede que Deus continue a ser visto como o único Salvador com um propósito bem definido. O profeta do exílio, que denominamos por Isaías II, para não o confundir com o profeta que viveu até ao tempo do rei Ezequias, tinha o propósito de despertar o povo de uma letargia espiritual lembrando-o que Deus o chamou para ser o seu “Servo” por excelência no meio de profunda idolatria. À semelhança do que aconteceu na história passada no deserto, o povo continuava surdo e obstinado, mas Deus continua o mesmo. No entanto fica o aviso a terminar esta secção “Não há paz para ímpios, diz o Senhor” (48:22). 

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

NARRATIVAS HISTÓRICAS NO LIVRO DE ISAÍAS (Cap. 36-39)

 A destacar-se em todo o livro de Isaías aparecem estes quatro capítulos com características de narrativa histórica. Os oráculos de Isaías estão emoldurados em relatos e diálogos que marcam o plano de Deus revelado desde o início: “Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o bem desta terra; mas se recusardes, e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; pois a boca do Senhor o disse” (Is 1:19-20). Daí que estes capítulos sejam únicos e despertem curiosidade quanto à sua função no meio do livro.

Estes capítulos correspondem ao texto que se encontra em 2 Reis 18:13-20:19 e ao texto de 2 Crónicas 32. Perante isto levanta-se a pergunta sobre quem copiou de quem.  Apesar de o texto apresentar o mesmo episódio, verifica-se que o texto de Reis não contém o salmo proferido por Ezequias (38:9-20). 

A partir daqui, fica-se com a ideia de que provavelmente foram os escritores da História Deuteronomística que foram buscar o texto a Isaías. Hans Walter Wolff destaca a forma como os profetas “Oséias, Isaías e Jeremias, anteciparam novos acontecimentos cataclísmicos, provocados por Deus. Puseram a nu a culpa de seu próprio tempo, submetendo-o à clara luz das ações divinas que ocorreram anteriormente” (Dinamismo das Tradições do AT, Paulinas, 1984, 99). Portanto, para Wolff, estes profetas do século VIII a.C. descreveram a realidade humana no seu contexto histórico, mas com a participação da atividade divina. E é a partir desta atividade profética que, no século VI a.C., surge a obra histórica gigantesca que vai de Deuteronómio até Reis. Ele até usa a expressão de que a obra é filha da profecia. Mas a ideia de que a profecia é que influencia a obra do historiador deuteronomista é também aventada por John Hayes quando afirma que “o deuteronomista incorporou, editou e talvez reescreveu várias tradições proféticas” (Introduction to the OT Study, Abingdon, 1979, 237). Entre algumas tradições ele refere o texto de Isaías 36-39. 

No que concerne ao livro de Crónicas, somos bem informados de que as suas fontes são os escritos proféticos. O cronista escreve, claramente, que sobre o rei Ezequias tanto os seus atos como as suas obras “estão escritos na visão do profeta Isaías, filho de Amoz, no livro dos reis de Judá e de Israel” (2 Crón. 32:32). De facto não nos compete duvidar da existência de fontes proféticas só porque não foram preservadas até nós. Como escreve Otto Kaiser, “quando ele [o cronista] refere as fontes proféticas, está a partilhar da visão sobre a autoria dos livros históricos que conhecemos na tradição rabínica, que a escrita e a transmissão da história sagrada remontam aos profetas e a homens de estatura semelhante”(Introduction, 1977, 179). O relato no livro de Crónicas apresenta um Ezequias mais motivador e não preocupado com a situação porque tem confiança em Iavé. Ao mesmo tempo coloca o rei como parceiro de Isaías na oração em clamor ao céu (32:7-8, 20). 

No entanto, Kaiser considera que estes capítulos não passam de um apêndice biográfico que deve ter sido acrescentado nas últimas décadas do século III a.C. Segundo este erudito, a primeira parte do livro de Isaías (cap. 1-39) foi estruturada de acordo com um esquema escatológico de três elementos que começa com oráculos contra a própria nação de Isaías (1-12), seguindo-se os oráculos contra outras nações (13-23) e termina com oráculos de salvação (24-35). O drama vivido pelos editores e redatores concernente à ameaça sobre Jerusalém leva-os à concepção da libertação e glorificação eterna. Por isso, “a imagem de ameaça e de libertação de Jerusalém em 701 formada pela tradição nas lendas de Isaías nos capítulos 36 e 37 constitui-se, então, o antítipo dos eventos de 587, e ao mesmo tempo o modelo  para o evento escatológico”. 

A conclusão de Kaiser é que o material que se encontra em Isaías foi retirado do livro dos Reis, omitindo a parte que fala da subserviência de Ezequias ao rei da Assíria (cf. 2 Rs 18:14-16). No texto de Isaías nota-se alguns arranjos, principalmente na narração sobre o sinal que Deus dará em que o texto é encurtado (cf. 2 Rs 20:1-11 com Is 38:1-8). Também o denominado Salmo de Ezequias (38:9-20) deve ter sido acrescentado na altura em que o texto sobre a doença de Ezequias foi rearranjado.

O erudito judeu Benjamin Sommer também é da opinião que estes textos foram exarados a partir do texto do livro dos Reis “porque o profeta Isaías tem um papel muito importante nestas narrativas. As narrativas históricas dos Reis parecem confirmar o ponto central de Isaías -  a inviolabilidade de Jerusalém, e assim pode ter servido como apêndice final atestando a veracidade das profecias do livro” (The Jewish Study Bible, Oxford, 2014, 835). O facto é que estes capítulos funcionam como uma ponte de transição para a segunda parte do livro de Isaías. Se até aqui Jerusalém tinha permanecido inviolável não significava que ela não iria sofrer as consequências de ser uma “nação pecadora, um povo carregado de iniquidade, uma descendência de malfeitores, filhos que praticam a corrupção! Deixaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, voltaram para trás” (1:4). Ezequias estava a comportar-se tão bem, mas o orgulho e a vaidade, atitude consuetudinária do povo de Deus, deitaram tudo a perder. Não é por acaso que o capítulo 38 termina com uma pergunta: “Qual será o sinal de que hei de subir à casa do Senhor?” (v. 22). Pelos vistos esteve mais preocupado em mostrar os seus tesouros aos embaixadores da Babilónia. As consequências viriam, mas não no tempo de Ezequias. 

Estas narrativas históricas são como que um sumário da proclamação do profeta Isaías e um esboço dos eventos que acontecem na história de Israel. Pode-se concluir que o texto é trabalhado a partir da fonte dos livro dos Reis e que também serviu de fonte para a narrativa do Cronista. A sua colocação é fundamental para a compreensão de todo o livro de Isaías. “Historicamente o Primeiro Isaías falou principalmente de julgamento para o Israel pré-exílio. Por outro lado, a mensagem do Segundo Isaías foi predominantemente de perdão”(B. S. Childs, Introduction, SCM Press, 1979, 327).  Pegando na ideia de Childs, estes capítulos mostram que a mensagem de Isaías de julgamento sempre se concretizou, porque certamente entre o texto de 39:8 e 40:1 há um hiato de alguns anos até à queda de Jerusalém e deportação para a Babilónia. Entretanto, as últimas palavras de Ezequias mostram o espírito egotista que predominava no meio do povo. Mas, concomitantemente, é um ponto de partida para o consolo do povo de Deus. 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

COMPASSO DE ESPERA

 Por isso o Senhor esperará, para ter misericórdia de vós; e por isso se levantará, para se compadecer de vós; porque o Senhor é um Deus de equidade; bem-aventurados todos os que por ele esperam.” (Isaías 30:18)


Continuo a ter as minhas dúvidas de que o ser humano consiga resolver a situação de pandemia que se vive. Corre-se para os laboratórios para se descobrir uma vacina, esperando que ela acabe com este vírus, mas vemos que ele se desenvolve em novas estirpes, umas mais perigosas que outras. Continuamos a ouvir que a variante de A, X, ou Y é mais infecciosa ou mais contagiosa do que a primeira. E o ser humano continua a confiar na força, na capacidade e na inteligência dos cientistas, dos peritos, dos políticos. 


Certamente, um dia voltaremos ao normal, com o vírus controlado, mas não exterminado. E aí diremos que foi graças à ciência, graças aos médicos e enfermeiros, graças ao confinamento, graças às decisões políticas, graças a isto e graças àquilo. Não quero desprestigiar o trabalho de quem se tem esforçado além das suas capacidades físicas. Mas, o facto é que continuamos a confiar nos homens que têm a sua vida assegurada, enquanto os mais frágeis da sociedade continuam sem pão, sem leite, sem dinheiro para pagar as necessidades mais básicas para a sua sobrevivência.


Mas se falarmos de Deus, dizem-nos que isso é absurdo, irracional. Normalmente costumam perguntar: Por que é que Deus deixa morrer tanta gente? De que é que Deus está à espera? 

A releitura e estudo do livro de Isaías tem-me levado a refletir constantemente nesta situação. É facto assente que o profeta apresenta como palavra final de Deus a restauração, a salvação, a renovação dos povos e do mundo. Mas antes disso, temos sempre exortação, repreensão, denúncia do pecado, do desvio, da rebeldia, da mentira e da rejeição da lei do Senhor. O povo de Israel rejeitava a palavra do profeta, confiando mais nos opressores (como o Egipto) e estribando-se mais na perversidade. Então o profeta dizia: “Por isso esta maldade vos será como brecha que virá subitamente sobre vós e vos quebrantará e despedaçará. E sereis fugitivos e ficareis como o mastro no cume do monte” (cf. Is 30:8-17).


Desde o século passado, temos assistido a uma debandada de pessoas das igrejas. Os crentes deixaram de se interessar pelo estudo meticuloso das escrituras. Acabaram-se com as Escolas Dominicais, com os cultos de estudo bíblico e oração. Hoje em dia, a ida aos cultos é mera opção de escolha, hoje apetece-me ir, amanhã já não apetece. Hoje levantei-me com disposição para ir, amanhã apetece-me ficar na cama. E quando vamos, gostamos é de ouvir sermões ou mensagens que afaguem o nosso ego. Queremos discursos aprazíveis; queremos quimeras; queremos ouvir: “Vai ficar tudo bem”; queremos que nos digam que apesar de estarmos longe dele, ele está sempre connosco; queremos ouvir dizer que, apesar das injustiças, das falsidades, dos egotismos que vivemos, Deus é sempre amoroso e vai dar-nos aquilo que desejamos.


É tempo de acordar para a vida e saber que o compasso de espera de Deus vai durar o tempo que levarmos a esperar única e exclusivamente nele em cada e todos os momentos da nossa vida. As Escrituras não se cansam de afirmar que Iavé é um Deus de justiça. Mas este é o tempo de espera de Deus, pois Ele está à espera que o ser humano comece a esperar nele. Quando isto acontecer, então seremos pessoas felizes. 


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A PERSPECTIVA CANÓNICA DO LIVRO DE ISAÍAS



Uma das grandes questões levantadas pelos estudiosos sobre este livro profético está relacionada com a unidade do livro. Os estudos feitos levaram os eruditos a concluir que 

  1. o livro não segue uma ordem cronológica; 
  2. abrange um período histórico muito lato (desde o surgir do império Assírio até ao surgir do império Persa); 
  3. o livro é constituído por duas partes distintas em termos de linguagem, estilo e conceitos. 


Por isso, o campo académico tem-se dividido entre os que defendem a unidade do livro por um só autor e os que argumentam pela divisão do livro em, pelo menos, duas partes resultantes de dois autores diferentes. Presentemente, a grande maioria dos académicos concorda que o livro pode ser dividido em duas partes: a primeira atribuída ao profeta de Jerusalém antes do cativeiro da Babilónia (cap. 1-39) e a segunda atribuída a um profeta (talvez discípulo de Isaías) posterior ao cativeiro (cap. 40-66). 


Entretanto, os estudos feitos dentro de cada parte tem levantado ainda mais questões e levado à conclusão de que houve um trabalho editorial e redacional para tentar criar uma certa unidade. Mas não tem havido muito consenso entre os estudiosos. Segundo Brevard Childs, o método histórico-crítico tem criado mais problemas e menos soluções. Mas não é da opinião que se deve deitar fora todo o trabalho de investigação feito até agora. Ele acha que todas as tentativas de reconstrução histórica do livro, depois de estar desmantelado, não passam de tentativas e de hipóteses. A preocupação em se encontrar a linha histórica tem dificultado o exegeta em fazer passar a mensagem do mundo antigo para a contemporaneidade. Por isso ele prefere usar o método canónico para dar sentido a todo o livro de Isaías. Na sua perspectiva, esta é a solução hermenêutica mais radical, tendo em conta que a comunidade de fé para quem o livro de Isaías funciona como Escritura ainda procura uma compreensão unitária do livro.


Childs reconhece que o livro tem três partes (1-39; 40-55; 56-66), mas a sua configuração dentro do cânon é produto de todo um trabalho de um editor que procurou intercalar a mensagem de redenção e restauração, característica principal da segunda e terceira parte do livro, com a mensagem de julgamento e destruição, característica da primeira parte. 


Segundo este erudito, o contexto histórico deixa de ser fundamental para se dar ênfase ao contexto teológico e reflexivo. “O contexto teológico eclipsa completamente o histórico.” (pg. 326). Em relação à mensagem encontrada no Segundo Isaías ele escreve: “Uma mensagem que funcionava originalmente no contexto específico de exílio no meio do século sexto foi separada da sua situação histórica para se tornar completamente escatológica.” (pg. 326). Com isto ele quer dizer que o contexto do Segundo Isaías deixou de ser o do período pós-exílio para se tornar uma mensagem inserida no contexto do século VIII a fim de comprovar que as coisas passadas já eram e que novas coisas iriam ser declaradas (cf. 42:9). 


“Certamente perde-se a força de muitas imagens do Segundo e Terceiro Isaías se não se reconhecer a ligação com o Primeiro Isaías. O esquema de antes e depois, de profecia e cumprimento, providencia um suporte principal que une os testemunhos. A proclamação do perdão de Deus (40:1) é colocada em contraste com a sua ira anterior (1:5ss.; 3:1ss.; 42:25; 57:16). O tema de Jerusalém como a cidade abandonada (1:7ss.) é pegado em 62:4 e contrastado com a nova cidade da alegria. O Primeiro Isaías falara da falsa adoração de Israel; O Segundo Isaías fala da verdadeira adoração (58:6ss.). O padrão de ver os novos céus e a nova terra como o cumprimento de uma promessa antiga torna-se explícito em 65:25 com a citação de 11:6,9. Semelhantemente, a descrição da incitação de Deus a Ciro desde o norte (41:25) pega no mesmo verbo usado em 13:17 “suscitarei os medos…”. Na perspectiva canónica, a mensagem do Segundo Isaías da redenção final e decisiva de Deus para Israel não é qualitativamente diferente das profecias do Primeiro Isaías.” (pg 330). 


Para Brevard Childs, há, pelo menos, quatro implicações teológicas e hermenêuticas com a aplicação do método canónico.

a) O conhecimento da história da composição do livro força o intérprete bíblico sério a lidar com as questões teológicas do cânon, da comunidade de fé e espírito. A reflexão teológica é constitutiva da própria tarefa de interpretação.

b) A história é um meio importante da actividade de Deus, mas ela recebe o seu significado a partir da palavra divina e não vice-versa. Portanto, a estrutura redacional em que o material isaiânico funciona agora, longe de ser uma ficção histórica, é um testemunho de fé para a promessa e execução da salvação do povo de Deus.

c) A forma final da literatura providenciou uma estrutura completamente nova e não-histórica para a mensagem profética, que separou a mensagem das suas amarras históricas originais e tornou-a acessível para todas as gerações futuras. 

d) Tanto para a comunidade judaica como para a cristã a mensagem do Segundo Isaías não ficou atada ao século VI, mas foi entendida como uma aplicação de uma esperança escatológica para um Israel futuro. 

Se este método é o mais apropriado ou não para a interpretação do livro de Isaías só o tempo o dirá. O facto é que muitos exegetas começaram a usá-lo para tornar a mensagem bíblica mais actual.


Resumo feito a partir de Brevard S. Childs, “Isaiah”, em Introduction to the Old Testament as Scripture, London, SCM Press, 1983 (2ª impressão), 311-338.