quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A PERSPECTIVA CANÓNICA DO LIVRO DE ISAÍAS



Uma das grandes questões levantadas pelos estudiosos sobre este livro profético está relacionada com a unidade do livro. Os estudos feitos levaram os eruditos a concluir que 

  1. o livro não segue uma ordem cronológica; 
  2. abrange um período histórico muito lato (desde o surgir do império Assírio até ao surgir do império Persa); 
  3. o livro é constituído por duas partes distintas em termos de linguagem, estilo e conceitos. 


Por isso, o campo académico tem-se dividido entre os que defendem a unidade do livro por um só autor e os que argumentam pela divisão do livro em, pelo menos, duas partes resultantes de dois autores diferentes. Presentemente, a grande maioria dos académicos concorda que o livro pode ser dividido em duas partes: a primeira atribuída ao profeta de Jerusalém antes do cativeiro da Babilónia (cap. 1-39) e a segunda atribuída a um profeta (talvez discípulo de Isaías) posterior ao cativeiro (cap. 40-66). 


Entretanto, os estudos feitos dentro de cada parte tem levantado ainda mais questões e levado à conclusão de que houve um trabalho editorial e redacional para tentar criar uma certa unidade. Mas não tem havido muito consenso entre os estudiosos. Segundo Brevard Childs, o método histórico-crítico tem criado mais problemas e menos soluções. Mas não é da opinião que se deve deitar fora todo o trabalho de investigação feito até agora. Ele acha que todas as tentativas de reconstrução histórica do livro, depois de estar desmantelado, não passam de tentativas e de hipóteses. A preocupação em se encontrar a linha histórica tem dificultado o exegeta em fazer passar a mensagem do mundo antigo para a contemporaneidade. Por isso ele prefere usar o método canónico para dar sentido a todo o livro de Isaías. Na sua perspectiva, esta é a solução hermenêutica mais radical, tendo em conta que a comunidade de fé para quem o livro de Isaías funciona como Escritura ainda procura uma compreensão unitária do livro.


Childs reconhece que o livro tem três partes (1-39; 40-55; 56-66), mas a sua configuração dentro do cânon é produto de todo um trabalho de um editor que procurou intercalar a mensagem de redenção e restauração, característica principal da segunda e terceira parte do livro, com a mensagem de julgamento e destruição, característica da primeira parte. 


Segundo este erudito, o contexto histórico deixa de ser fundamental para se dar ênfase ao contexto teológico e reflexivo. “O contexto teológico eclipsa completamente o histórico.” (pg. 326). Em relação à mensagem encontrada no Segundo Isaías ele escreve: “Uma mensagem que funcionava originalmente no contexto específico de exílio no meio do século sexto foi separada da sua situação histórica para se tornar completamente escatológica.” (pg. 326). Com isto ele quer dizer que o contexto do Segundo Isaías deixou de ser o do período pós-exílio para se tornar uma mensagem inserida no contexto do século VIII a fim de comprovar que as coisas passadas já eram e que novas coisas iriam ser declaradas (cf. 42:9). 


“Certamente perde-se a força de muitas imagens do Segundo e Terceiro Isaías se não se reconhecer a ligação com o Primeiro Isaías. O esquema de antes e depois, de profecia e cumprimento, providencia um suporte principal que une os testemunhos. A proclamação do perdão de Deus (40:1) é colocada em contraste com a sua ira anterior (1:5ss.; 3:1ss.; 42:25; 57:16). O tema de Jerusalém como a cidade abandonada (1:7ss.) é pegado em 62:4 e contrastado com a nova cidade da alegria. O Primeiro Isaías falara da falsa adoração de Israel; O Segundo Isaías fala da verdadeira adoração (58:6ss.). O padrão de ver os novos céus e a nova terra como o cumprimento de uma promessa antiga torna-se explícito em 65:25 com a citação de 11:6,9. Semelhantemente, a descrição da incitação de Deus a Ciro desde o norte (41:25) pega no mesmo verbo usado em 13:17 “suscitarei os medos…”. Na perspectiva canónica, a mensagem do Segundo Isaías da redenção final e decisiva de Deus para Israel não é qualitativamente diferente das profecias do Primeiro Isaías.” (pg 330). 


Para Brevard Childs, há, pelo menos, quatro implicações teológicas e hermenêuticas com a aplicação do método canónico.

a) O conhecimento da história da composição do livro força o intérprete bíblico sério a lidar com as questões teológicas do cânon, da comunidade de fé e espírito. A reflexão teológica é constitutiva da própria tarefa de interpretação.

b) A história é um meio importante da actividade de Deus, mas ela recebe o seu significado a partir da palavra divina e não vice-versa. Portanto, a estrutura redacional em que o material isaiânico funciona agora, longe de ser uma ficção histórica, é um testemunho de fé para a promessa e execução da salvação do povo de Deus.

c) A forma final da literatura providenciou uma estrutura completamente nova e não-histórica para a mensagem profética, que separou a mensagem das suas amarras históricas originais e tornou-a acessível para todas as gerações futuras. 

d) Tanto para a comunidade judaica como para a cristã a mensagem do Segundo Isaías não ficou atada ao século VI, mas foi entendida como uma aplicação de uma esperança escatológica para um Israel futuro. 

Se este método é o mais apropriado ou não para a interpretação do livro de Isaías só o tempo o dirá. O facto é que muitos exegetas começaram a usá-lo para tornar a mensagem bíblica mais actual.


Resumo feito a partir de Brevard S. Childs, “Isaiah”, em Introduction to the Old Testament as Scripture, London, SCM Press, 1983 (2ª impressão), 311-338.

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