No dia 4 de Outubro, tive de me deslocar a Santa Maria da Feira para participar na cerimónia fúnebre em memória da minha tia Irene. Já o seu nome, proveniente da palavra grega eirênê, significa “paz”, pois também em paz ela morreu com os seus 90 anos (faria 91 em Janeiro do próximo ano). Ficarei para sempre com a imagem do sorriso encantador que ela tinha sempre que me via ou mesmo outra pessoa. Toda ela irradiava alegria e prazer em viver. Muitas vezes encontrava-a na sua casa agarrada à sua Bíblia. E dizia-me: “Estava a ler a Palavra”. Desde os seus 19 anos que ela conheceu a Jesus Cristo de uma forma mais pessoal quando partiu da antigamente conhecida Vila da Feira para o Porto. Ali conheceu aquele que veio a ser o ser marido (o Fernando). Posteriormente foram viver para Lisboa, e ali agregou-se à Igreja Evangélica da Assembleia de Deus, na Rua Neves Ferreira. Eu era muito pequeno quando o meu pai ganhou o segundo prémio de um concurso, que seria uma viagem para duas pessoas ou o dinheiro do valor da viagem. O meu pai preferiu o dinheiro para levar toda a família numa viagem a Lisboa. Era a primeira vez que eu ia a Lisboa. Claro, ficámos em casa da minha tia Irene. Posteriormente ela enviuvou e, passados alguns anos, casou com Amaro Policarpo, passando a viver na terra do marido em Manique, do concelho de Cascais. Eu e a minha irmã tivemos a oportunidade de passar férias em sua casa, e até chegámos a andar de cavalo. Isto é só para dizer que a minha tia transmitia uma alegria impressionante e uma serenidade pois, apesar de ser uma mulher de cidade, logo se adaptou à vida do campo sem qualquer preconceito. Ela estava sempre disposta a ajudar as suas vizinhas, pois a D. Irene até injecções sabia dar e gratuitamente, diziam. Ela aproveitava cada ocasião para dizer que Jesus também lhe tinha dado a salvação de graça para ter a vida eterna.
Agora, eu sei, ela está com o seu Senhor e Salvador a viver a vida eterna. Mas é principalmente nestes dias, infelizmente, que acabamos por encontrar familiares que não víamos há anos. Mais uma vez, esta foi a oportunidade para que os meus primos também ouvissem o testemunho sobre a tia Irene. Até a sua morte serviu para eu fazer esta reflexão e partilhar com todos os que ali se encontravam.
É nestas alturas que mais uma vez sentimos que nos encontramos perante uma encruzilhada, onde teremos de fazer uma escolha. É em circunstâncias de luto que somos levados a considerar a vida como um bem malfazejo. Apesar de ouvirmos muitas pessoas dizer “Que vida desgraçada”, todas gostam de viver, mas não de envelhecer. Todos gostam de viver, mas não sofrer. Todos gostam de viver, mas não de se deparar com a morte. A nossa existência, porém, coloca-nos nesta situação - a dos contrastes. Em tudo, nós encontramos esses contrastes. Começamos com o contraste entre o dia e a noite, continuamos nos contrastes entre o frio e o calor, entre o seco e o húmido, entre o correr e o caminhar, entre a riqueza e a pobreza, entre o acreditar e o desacreditar, entre a alegria e a tristeza, entre o bem-estar e o sofrimento, e terminamos com o contraste entre a vida e a morte.
No entanto, parece que na nossa sociedade há alguns especialistas que nos querem fazer crer que não precisamos de viver esta ambivalência, pois apontam para uma filosofia de vida que se resume a tudo o que seja apenas matéria. Fazem-nos correr de tal maneira que não temos tempo para nada. Mas este nada acaba por ser relativo, pois temos tempo para aquilo que nós queremos apenas. Achamos que temos só uma vida e por isso temos de a viver na plenitude, porque uma vez morto acabou-se. Tal pensamento é um pensamento mesquinho, redutor. É considerar o ser humano abaixo de qualquer animal. Na realidade, quer-se é evitar o encontro com a morte. É não querer acreditar que existe um Deus criador e sustentador do universo, para o qual o ser humano se deve voltar, porque é só nele que encontra a verdadeira razão da sua existência. A azáfama, as preocupações da vida tiram-nos tempo para reflectirmos sobre a morte.
A morte é o estigma da nossa limitação. Perante ela só podemos concluir que somos finitos. Perante ela só podemos reconhecer que não somos senhores da vida que temos. Esta realidade, porém, não deve levar-nos a pensar que afinal não servimos para nada. Pois Deus na sua infinita misericórdia transmitiu-nos uma mensagem de esperança, uma mensagem de vida e vida plena. No centro dessa mensagem está a pessoa de Jesus Cristo, o qual vimos não como um excelente filósofo, nem como um bom ser moral, nem como um benfeitor apenas, mas sim como a evidência clara da existência de Deus, porque ele mesmo era o próprio Deus que se fez humano, para se identificar connosco. A mensagem de Jesus é que após a morte há vida. Ele provou-o com a sua própria ressurreição.
Foi por isso que o apóstolo Paulo escreveu um belíssimo tratado sobre a ressurreição em 1 Coríntios 15, onde, a certa altura ele escreve: "Mas agora Cristo ressuscitou dos mortos, e foi feito as primícias dos que dormem." (1 Cor. 15:20).
Chega de tempo em que pensámos que a vida se reduzia àquilo que vemos. Agora é o tempo de pela fé aceitarmos que Cristo está vivo, porque muitos cristãos na antiguidade o puderam confirmar. Este tempo é tempo de esperança, de confiança, de certeza para aqueles que morrem em Cristo. A ressurreição de Cristo é a segurança de que nós também seremos ressuscitados. Ele foi o primeiro.
Agora, para o cristão, aquele que crê em Cristo Jesus, já não predomina o binómio vida (-) morte, mas sim morte (+) vida. A nossa existência já não é um contraste entre a vida e a morte, pois o contraste é feito na ordem inversa, a morte com a vida. Antigamente o ser humano perguntava: O que é a vida se tudo acaba na morte? Agora, o cristão proclama: O que é a morte, se em Cristo seremos ressuscitados? É no plano do que é humano que ambas se realizam. Se a morte se concretiza num ser humano, a vida também se concretiza no ser humano. Por isso, a morte não é fim de todas as coisas. Ela existe para que possamos acreditar mais naquele que é o Senhor da vida.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Para se Entender a Bíblia
Com a disciplina de Introdução à Filosofia, comecei a ficar fascinado pela forma como devíamos pensar as coisas à nossa volta. Apesar de ter crescido num ambiente evangélico, onde se preconizava a importância de uma fé viva e dinâmica, reconheço que as ideias do iluminismo fizeram mossa nas ideias que foram sendo exaradas na minha mente de criança. Mas, como acontece com toda a gente, chega a altura em que já não dá para acreditar mais no Pai Natal invisível, porém, pintado com as cores da coca-cola. É preciso dar uma explicação para as prendas que surgem debaixo da janela. As dúvidas cartesianas ocorrem, e para cada resposta a uma pergunta levanta-se nova pergunta num encarreirar sem fim. Foi assim que enveredei pelo estudo da teologia. Terminada a licenciatura em Portugal, muitas questões continuaram a brotar no meu interior, porque tinha recebido uma formação muito ortodoxa e até fundamentalista. Eu não podia duvidar daquilo que estava escrito na Bíblia. tinha de aceitar pela fé, sem qualquer outro tipo de explicação. Então no que dizia respeito ao Antigo Testamento, muitas vezes ficava sem argumentos perante aqueles que questionavam as histórias ali escritas que por mim eram defendidas como factos históricos. Tendo decidido continuar os meus estudos teológicos na Suíça, encontrei uma outra postura de ensino que dava sentido e explicação lógica às perguntas que eu fazia.
Um dos livros que me ajudou na compreensão do Antigo Testamento, foi a obra de Otto Kaiser, Introduction to the Old Testament, publicado em 1969, na Alemanha, e traduzido para o inglês em 1975. Que eu saiba não há tradução em português. Por isso resolvi traduzir para aqui um pequeno trecho do seu capítulo "Introdução" (p. 1-3), que certamente ajudará os leitores que tenham dificuldade em aceitar o texto bíblico como palavra de Deus para nós hoje.
"A dificuldade do leitor actual da Bíblia é uma de dois tipos. Ele pode acreditar que sabe exactamente como e em que circunstâncias Deus se revelou na história de Israel e na história de Jesus porque, um livro inspirado por Deus, dá-lhe informação acerca disto, a qual está livre de contradição e lacunas. Neste caso, muitas vezes, ele é compelido de todo, no interesse das suas ideias pré concebidas, a ignorar os detalhes individuais, e se lhe apresentam tensões e contradições, a procurar, com vários graus de uma boa consciência, subterfúgios que lhe permitam manter este ponto de vista. Ou, por outro lado, ele pode ver neste livro apenas uma colecção complicada de documentos de uma fé antiga, de cuja infantilidade, crê ele como homem da idade do iluminismo, ele se encontra acima, sem levantar a questão, ou mesmo suspeitar, quão profundamente os nossos modos ocidentais de pensamento foram influenciados por este livro, e quão grande esta influência se deu até ao primeiro trimestre deste século (XX) do que é agora. A aparente estranheza e afastamento impedem-no de ver que a reivindicação feita aqui para testemunhar de Deus teria, ainda hoje, uma força e uma vida desconhecida. estes dois tipos de dificuldade, no nosso ponto de vista, resultam do facto de que vivemos numa época que pensa historicamente, e compreende o curso da história nas suas ligações temporais e factuais. Depois que saímos da infância, não conseguimos encontrar um acesso honesto para um livro que vem de séculos passados, na verdade de milénios, que não partilha estas (para nós óbvias) pressuposições de pensamento, a menos que sejamos informados, adequadamente, sobre a sua origem histórica e sobre o mundo de onde ele vem. Por esta razão, um conhecimento da formação da Bíblia é um pré-requisito inevitável para a compreendermos. Isto é verdade para cada leitor da Bíblia, uma vez que o conhecimento histórico e técnico se tornou propriedade comum através da disseminação da educação e dos meios de comunicação, mas é especialmente assim para aquele que deseja tornar inteligível a outros homens a reivindicação da Bíblia em dar testemunho da palavra de Deus.
Para se ouvir e compreender o testemunho do livros bíblicos correctamente, é necessário saber em que alturas e em que circunstâncias eles passaram a existir. Isto envolve um conhecimento de história, de religião e de teologia de Israel e do judaísmo, assim como do mundo do qual eles surgiram. Supunha-se que uma 'Introdução ao Antigo Testamento' lidasse, consequentemente, com tudo o que é necessário para a sua total compreensão. No decorrer do desenvolvimento da erudição, este título tem, de facto, chegado a cobrir uma concentração sobre o tratamento dos problemas literários, dos géneros (ou tipos) de literatura, da composição e formação dos livros individuais e da transmissão do texto e origem do Cânon. Há, obviamente, razões práticas para isto, na medida em que seria um absurdo tentar tratar todos estes assuntos numa simples palestra ou num só livro com vários volumes. Juntamente com as Introduções ao Antigo Testamento também há obras sobre a língua hebraica e aramaico, sobre o mundo do Antigo Testamento, sobre a arqueologia e geografia bíblicas, sobre a história, a religião e a teologia de Israel, sobre a história subsequente do Antigo Testamento na igreja cristã e, finalmente, sobre hermenêutica, como assuntos independentes. Todas estas disciplinas dependem, em maior ou menor grau, da exposição detalhada de versículos individuais, de secções e de livros do Antigo Testamento, que em trabalho de erudição contemporâneo e, sem dúvida, também em trabalho futuro, elas avançam quase tanto como são desenvolvidas por ele. Elas criaram, por referência aos resultados da exegese, uma estrutura para a compreensão das passagens individuais. E elas mudam na medida em que esta compreensão se altera e, espera-se, cresce à medida que se altera."
Esta também é a minha convicção. Antes de lançarmos um repto ao texto bíblico precisamos de o compreender, e para o compreender precisamos de utilizar várias ferramentas das diversas áreas: literária, sociológica e histórica. No final de tudo isto, certamente conseguiremos entender o que o escritor, inspirado por Deus, quis transmitir à sua geração e consequentemente a cada um de nós hoje. Vale a pena procurar entender a Bíblia, porque nela encontramos princípios divinos para a nossa vida, que nos trarão muita felicidade e razão de viver.
Um dos livros que me ajudou na compreensão do Antigo Testamento, foi a obra de Otto Kaiser, Introduction to the Old Testament, publicado em 1969, na Alemanha, e traduzido para o inglês em 1975. Que eu saiba não há tradução em português. Por isso resolvi traduzir para aqui um pequeno trecho do seu capítulo "Introdução" (p. 1-3), que certamente ajudará os leitores que tenham dificuldade em aceitar o texto bíblico como palavra de Deus para nós hoje.
"A dificuldade do leitor actual da Bíblia é uma de dois tipos. Ele pode acreditar que sabe exactamente como e em que circunstâncias Deus se revelou na história de Israel e na história de Jesus porque, um livro inspirado por Deus, dá-lhe informação acerca disto, a qual está livre de contradição e lacunas. Neste caso, muitas vezes, ele é compelido de todo, no interesse das suas ideias pré concebidas, a ignorar os detalhes individuais, e se lhe apresentam tensões e contradições, a procurar, com vários graus de uma boa consciência, subterfúgios que lhe permitam manter este ponto de vista. Ou, por outro lado, ele pode ver neste livro apenas uma colecção complicada de documentos de uma fé antiga, de cuja infantilidade, crê ele como homem da idade do iluminismo, ele se encontra acima, sem levantar a questão, ou mesmo suspeitar, quão profundamente os nossos modos ocidentais de pensamento foram influenciados por este livro, e quão grande esta influência se deu até ao primeiro trimestre deste século (XX) do que é agora. A aparente estranheza e afastamento impedem-no de ver que a reivindicação feita aqui para testemunhar de Deus teria, ainda hoje, uma força e uma vida desconhecida. estes dois tipos de dificuldade, no nosso ponto de vista, resultam do facto de que vivemos numa época que pensa historicamente, e compreende o curso da história nas suas ligações temporais e factuais. Depois que saímos da infância, não conseguimos encontrar um acesso honesto para um livro que vem de séculos passados, na verdade de milénios, que não partilha estas (para nós óbvias) pressuposições de pensamento, a menos que sejamos informados, adequadamente, sobre a sua origem histórica e sobre o mundo de onde ele vem. Por esta razão, um conhecimento da formação da Bíblia é um pré-requisito inevitável para a compreendermos. Isto é verdade para cada leitor da Bíblia, uma vez que o conhecimento histórico e técnico se tornou propriedade comum através da disseminação da educação e dos meios de comunicação, mas é especialmente assim para aquele que deseja tornar inteligível a outros homens a reivindicação da Bíblia em dar testemunho da palavra de Deus.
Para se ouvir e compreender o testemunho do livros bíblicos correctamente, é necessário saber em que alturas e em que circunstâncias eles passaram a existir. Isto envolve um conhecimento de história, de religião e de teologia de Israel e do judaísmo, assim como do mundo do qual eles surgiram. Supunha-se que uma 'Introdução ao Antigo Testamento' lidasse, consequentemente, com tudo o que é necessário para a sua total compreensão. No decorrer do desenvolvimento da erudição, este título tem, de facto, chegado a cobrir uma concentração sobre o tratamento dos problemas literários, dos géneros (ou tipos) de literatura, da composição e formação dos livros individuais e da transmissão do texto e origem do Cânon. Há, obviamente, razões práticas para isto, na medida em que seria um absurdo tentar tratar todos estes assuntos numa simples palestra ou num só livro com vários volumes. Juntamente com as Introduções ao Antigo Testamento também há obras sobre a língua hebraica e aramaico, sobre o mundo do Antigo Testamento, sobre a arqueologia e geografia bíblicas, sobre a história, a religião e a teologia de Israel, sobre a história subsequente do Antigo Testamento na igreja cristã e, finalmente, sobre hermenêutica, como assuntos independentes. Todas estas disciplinas dependem, em maior ou menor grau, da exposição detalhada de versículos individuais, de secções e de livros do Antigo Testamento, que em trabalho de erudição contemporâneo e, sem dúvida, também em trabalho futuro, elas avançam quase tanto como são desenvolvidas por ele. Elas criaram, por referência aos resultados da exegese, uma estrutura para a compreensão das passagens individuais. E elas mudam na medida em que esta compreensão se altera e, espera-se, cresce à medida que se altera."
Esta também é a minha convicção. Antes de lançarmos um repto ao texto bíblico precisamos de o compreender, e para o compreender precisamos de utilizar várias ferramentas das diversas áreas: literária, sociológica e histórica. No final de tudo isto, certamente conseguiremos entender o que o escritor, inspirado por Deus, quis transmitir à sua geração e consequentemente a cada um de nós hoje. Vale a pena procurar entender a Bíblia, porque nela encontramos princípios divinos para a nossa vida, que nos trarão muita felicidade e razão de viver.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
A BOA NOVA DA RESSURREIÇÃO
Ao ler o texto na Primeira carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 15 e versículos 1 a 8, onde o escritor dá a conhecer a essência do evangelho aos crentes naquela cidade, fiquei a pensar na importância que a ressurreição de Jesus tem para os dias de hoje. Entretanto, lembrei-me que Thorwald Lorenzen, meu antigo professor de Teologia Sistemática quando fui aluno em Rüschlikon, Suíça, em 1985, escreveu um artigo para um livro em honra de um outro professor meu de Novo Testamento, Günter Wagner, sobre “Ressurrection and Discipleship” (Ressurreição e Discipulado).
Thorwald Lorenzen foi, para mim, uma das mentes mais competentes e meticulosas que eu já conheci e privei. Ele era de uma exigência implacável, querendo que os seus alunos desenvolvessem a sua capacidade de raciocínio ao máximo. Foi ele que me ensinou a saber ler, no sentido completo da palavra, o grande teólogo católico Karl Rahner. Quando tive as primeiras aulas com ele, um aluno mais antigo virou-se para mim e disse: “O Lorenzen é aquele tipo de professor semelhante a um pai, cujo filho chega a casa com 19 valores numa prova e ele pergunta, “Por que é que não tiraste 20?”.
Voltando ao tema da ressurreição, depois de passar a euforia das férias da Páscoa, achei por bem traduzir uma das partes do artigo que Thorwald Lorenzen escreveu para o dito livro, Festschrift Günter Wagner, Bern, Peter Lang, 1994, 92-94, porque as ideias ali expressas catapultam-nos para uma série de reflexões que cada um de nós deve procurar responder com aplicação à sua vida. A ressurreição de Cristo é, sem dúvida, uma boa notícia (evangelho) porque é um evento que está em aberto até à sua culminação, quando Deus quiser.
A Ressurreição como um Evento “Aberto”
“O encadeamento essencial entre a ressurreição e a nossa fé e o discipulado torna-se evidente quando reconhecemos que os cristãos primitivos narravam a ressurreição como um evento aberto – aberto para o futuro, procurando criar fé, e através dele moldar a história e assim determinar o futuro.
Esta abertura da ressurreição para o seu cumprimento futuro encontra expressão nas palavras cuidadosamente escolhidas de uma das fórmulas confessionais mais antigas, 1 Coríntios 15:3-5: ‘Cristo morreu (Tempo Aoristo)… foi sepultado (Tempo Aoristo)… tem sido ressuscitado (Tempo Perfeito)… foi visto (Tempo Aoristo)…”. O uso do tempo Perfeito para descrever a ressurreição sobressai aqui. Ele é usado intencionalmente para distinguir a ressurreição de Jesus Cristo da sua morte, do seu sepultamento e da sua aparição. Ele é usado para sublinhar o “efeito contínuo” do evento da ressurreição. Nas igrejas primitivas, o Cristo ressurrecto era chamado de “as primícias dos que dormem” ou “o primogénito dos mortos” (1 Cor. 15:20, 23; Col. 1:18; Apoc. 1:5; compare com Mat. 27:52s.). Mas como é que nós, que fazemos parte do processo histórico, podemos compreender um evento que está “em aberto”? Um evento que aponta para o cumprimento, quando o Filho triunfar, finalmente, sobre as forças alienadoras da morte, e quando ele entregar a autoridade que Deus lhe deu ao Pai, para que Deus seja verdadeiramente aquilo que é (1 Cor. 15:20-28). Como é que podemos saber e comunicar a ressurreição do Cristo crucificado como um evento único e escatológico, e ainda como um evento que mudou o mundo, que está a mudar o mundo e que mudará o mundo?
Para retratar a abertura da ressurreição, Jürgen Moltmann restaurou o conceito bíblico-teológico de “promessa”. Ele entende a promessa como um “evento-linguagem” de um tipo especial: ele (o evento) lembra, e como tal preserva a história, e ao mesmo tempo aponta para a actualização histórica concreta desta promessa na formação e antecipação do futuro.
Por isso, a ressurreição de Jesus Cristo exige uma forma de conhecimento que evita os extremos de um positivismo histórico, por um lado, e o existencialismo histórico, por outro. O positivismo histórico tende a absolutizar o passado congelando um evento no, assim chamado, passado objectivo. A ênfase está no que realmente aconteceu, e a resposta é uma afirmação teórica ou a negação desse facto. O existencialismo histórico tende a absolutizar o presente, estando primeiramente interessado no efeito de um evento no presente existente dos inquiridores e na sua situação vivencial.
O conceito de “promessa” lembra-nos que um evento histórico, que nós qualificamos como um acto de Deus, não pode ser propriamente compreendido por se fazer, meramente, uma afirmação teórica de que o evento aconteceu no passado, nem é suficiente experimentar o significado subjectivo, existencial ou psicológico de tal evento para a nossa vida. Para além deste conhecimento objectivo-intelectual e subjectivo-existencial, a realidade e o conteúdo do evento em si exige uma resposta holística em que se torna evidente que é Deus quem chama à obediência da fé, e ao mesmo tempo torna-se manifesto quem é este Deus que chama. Nós afirmamos tal evento como verdadeiro sintonizando a nossa vida com a história que esse evento está a criar e a moldar. Este é o conhecimento da praxis do discipulado, não da teoria. Estar relutante a comprometer-se com tal discipulado ou considerar esse discipulado como um extra opcional é questionar a verdade e a fidedignidade do evento.
A ressurreição é um acto de Deus. Como tal, não é um evento histórico que possa ser capturado com a razão histórica nem é um mito não-histórico que alude ao fenómeno da ressurreição geral na natureza e existência humana. É uma “promessa” que está ancorada no evento de Cristo, que exige pessoas, à semelhança de Moisés, Abraão e Paulo, que vão escorar a sua vida na promessa de Deus e assim vão participar na moldagem do futuro. A ressurreição é um evento criador da história. O assunto teológico controverso não é a ressurreição como tal. O que é controverso é como é que nós podemos conhecê-la como um acto de Deus, e que este Deus é Aquele que revela o seu poder ressuscitando o Cristo crucificado dentre os mortos.”
Thorwald Lorenzen foi, para mim, uma das mentes mais competentes e meticulosas que eu já conheci e privei. Ele era de uma exigência implacável, querendo que os seus alunos desenvolvessem a sua capacidade de raciocínio ao máximo. Foi ele que me ensinou a saber ler, no sentido completo da palavra, o grande teólogo católico Karl Rahner. Quando tive as primeiras aulas com ele, um aluno mais antigo virou-se para mim e disse: “O Lorenzen é aquele tipo de professor semelhante a um pai, cujo filho chega a casa com 19 valores numa prova e ele pergunta, “Por que é que não tiraste 20?”.
Voltando ao tema da ressurreição, depois de passar a euforia das férias da Páscoa, achei por bem traduzir uma das partes do artigo que Thorwald Lorenzen escreveu para o dito livro, Festschrift Günter Wagner, Bern, Peter Lang, 1994, 92-94, porque as ideias ali expressas catapultam-nos para uma série de reflexões que cada um de nós deve procurar responder com aplicação à sua vida. A ressurreição de Cristo é, sem dúvida, uma boa notícia (evangelho) porque é um evento que está em aberto até à sua culminação, quando Deus quiser.
A Ressurreição como um Evento “Aberto”
“O encadeamento essencial entre a ressurreição e a nossa fé e o discipulado torna-se evidente quando reconhecemos que os cristãos primitivos narravam a ressurreição como um evento aberto – aberto para o futuro, procurando criar fé, e através dele moldar a história e assim determinar o futuro.
Esta abertura da ressurreição para o seu cumprimento futuro encontra expressão nas palavras cuidadosamente escolhidas de uma das fórmulas confessionais mais antigas, 1 Coríntios 15:3-5: ‘Cristo morreu (Tempo Aoristo)… foi sepultado (Tempo Aoristo)… tem sido ressuscitado (Tempo Perfeito)… foi visto (Tempo Aoristo)…”. O uso do tempo Perfeito para descrever a ressurreição sobressai aqui. Ele é usado intencionalmente para distinguir a ressurreição de Jesus Cristo da sua morte, do seu sepultamento e da sua aparição. Ele é usado para sublinhar o “efeito contínuo” do evento da ressurreição. Nas igrejas primitivas, o Cristo ressurrecto era chamado de “as primícias dos que dormem” ou “o primogénito dos mortos” (1 Cor. 15:20, 23; Col. 1:18; Apoc. 1:5; compare com Mat. 27:52s.). Mas como é que nós, que fazemos parte do processo histórico, podemos compreender um evento que está “em aberto”? Um evento que aponta para o cumprimento, quando o Filho triunfar, finalmente, sobre as forças alienadoras da morte, e quando ele entregar a autoridade que Deus lhe deu ao Pai, para que Deus seja verdadeiramente aquilo que é (1 Cor. 15:20-28). Como é que podemos saber e comunicar a ressurreição do Cristo crucificado como um evento único e escatológico, e ainda como um evento que mudou o mundo, que está a mudar o mundo e que mudará o mundo?
Para retratar a abertura da ressurreição, Jürgen Moltmann restaurou o conceito bíblico-teológico de “promessa”. Ele entende a promessa como um “evento-linguagem” de um tipo especial: ele (o evento) lembra, e como tal preserva a história, e ao mesmo tempo aponta para a actualização histórica concreta desta promessa na formação e antecipação do futuro.
Por isso, a ressurreição de Jesus Cristo exige uma forma de conhecimento que evita os extremos de um positivismo histórico, por um lado, e o existencialismo histórico, por outro. O positivismo histórico tende a absolutizar o passado congelando um evento no, assim chamado, passado objectivo. A ênfase está no que realmente aconteceu, e a resposta é uma afirmação teórica ou a negação desse facto. O existencialismo histórico tende a absolutizar o presente, estando primeiramente interessado no efeito de um evento no presente existente dos inquiridores e na sua situação vivencial.
O conceito de “promessa” lembra-nos que um evento histórico, que nós qualificamos como um acto de Deus, não pode ser propriamente compreendido por se fazer, meramente, uma afirmação teórica de que o evento aconteceu no passado, nem é suficiente experimentar o significado subjectivo, existencial ou psicológico de tal evento para a nossa vida. Para além deste conhecimento objectivo-intelectual e subjectivo-existencial, a realidade e o conteúdo do evento em si exige uma resposta holística em que se torna evidente que é Deus quem chama à obediência da fé, e ao mesmo tempo torna-se manifesto quem é este Deus que chama. Nós afirmamos tal evento como verdadeiro sintonizando a nossa vida com a história que esse evento está a criar e a moldar. Este é o conhecimento da praxis do discipulado, não da teoria. Estar relutante a comprometer-se com tal discipulado ou considerar esse discipulado como um extra opcional é questionar a verdade e a fidedignidade do evento.
A ressurreição é um acto de Deus. Como tal, não é um evento histórico que possa ser capturado com a razão histórica nem é um mito não-histórico que alude ao fenómeno da ressurreição geral na natureza e existência humana. É uma “promessa” que está ancorada no evento de Cristo, que exige pessoas, à semelhança de Moisés, Abraão e Paulo, que vão escorar a sua vida na promessa de Deus e assim vão participar na moldagem do futuro. A ressurreição é um evento criador da história. O assunto teológico controverso não é a ressurreição como tal. O que é controverso é como é que nós podemos conhecê-la como um acto de Deus, e que este Deus é Aquele que revela o seu poder ressuscitando o Cristo crucificado dentre os mortos.”
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
CRIATIVIDADE NA LITERATURA BÍBLICA
Ultimamente temos estado a estudar os livros de Reis, cuja leitura sempre levanta uma série de questões históricas, teológicas e morais. As nossas dúvidas surgem porque estamos habituados a olhar para o texto com um certo pressuposto que restringe a nossa capacidade de compreensão, quando nos deparamos com certos problemas. Embora continuemos a afirmar que este texto tem o sopro (inspiração) de Deus, com o propósito de nos ensinar algo fundamental para a nossa vida, não podemos esquecer que o escritor desta magnífica obra usou várias colecções de histórias antigas e outras tradições, fazendo uma selecção cuidadosa, para expor aos seus leitores a mensagem que ele tinha consciência que vinha de Deus. Várias vezes nós encontramos nestes livros expressões tais como: “Quanto ao mais dos actos de (fulano), e a tudo quanto fez, porventura não estão escritos no livro da história ( ou crónicas) dos reis de (reino)” (1 Reis 11:41; 14:19, 29; etc.). Isto mostra que ele utilizou essas fontes.
Os estudiosos do Antigo Testamento, começando com Martin Noth, são unânimes em considerar que os livros que vão de Josué até 2 de Reis foram escritos por um historiador influenciado pelo texto de Deuteronómio que tinha um objectivo teológico em mente. Pegando em todas as fontes que lhe estavam à mão, o historiador deuteronomista escreveu esta obra soberba, certamente para explicar ao povo a razão por que tinham sofrido toda a destruição da sua terra e o cativeiro da Babilónia.
É evidente que esta obra apresenta apenas partes da história de Israel e de forma reduzida. Os livros de Reis também são um esqueleto de “uma história que se estende desde a ascensão de Salomão até à destruição de Jerusalém, em 587”, conclui Brevard Childs, na sua obra Introduction to the Old Testament as Scripture (1979; pg. 288). Isto demonstra que a escolha do escritor é propositada e consciente. Ele deixa de fora aquilo que não lhe interessa e pega só naquilo que será útil para a mensagem que pretende transmitir, ou melhor, que ele sente que Deus quer que ele transmita. Ele tem um propósito do qual não quer desviar-se. Childs apresenta, pelo menos, duas intenções bem definidas. Ele diz que, primeiro, o autor quer mostrar que a história tanto de Israel (Reino do Norte) como de Judá (Reino do Sul) é só uma história do único povo de Deus. “Apesar da divisão política em dois reinos, o escritor recusa-se a tratá-los separadamente” (pg. 288). Portanto, estamos perante um propósito bem claro que é a interpretação teológica da história deste povo. Em segundo lugar, o escritor persiste em falar das razões para o julgamento iminente. As referências constantes a que determinado rei não fez o que era recto aos olhos do Senhor ou que andou no pecado de seus pais revelam que ele procura explicar teologicamente o julgamento divino.
Para o escritor sagrado era importante pegar nos eventos e encontrar a única explicação plausível para o que estava a acontecer com o povo. É evidente que ele muitas vezes não harmoniza muito bem as fontes de que lançou mão, mas isso é certamente para demonstrar que ele as está a utilizar e quer dar uma nova orientação interpretativa aos acontecimentos, principalmente quando procura mostrar a vontade suprema de Deus.
No texto sobre Eliseu, no capítulo 6:8-23, lemos que o rei da Síria estava em guerra com Israel, mas o profeta adivinhava todos os planos do rei inimigo e denunciava-os ao rei de Israel. O rei da Síria quis acabar com Eliseu, mas acabou nas mãos do rei de Israel. Este quis acabar com os sírios, mas Eliseu disse para os alimentar e deixar partir. Em forma de conclusão o historiador escreveu: “E apresentou-lhes um grande banquete, e comeram e beberam; e os despediu, e foram para o seu senhor; e não entraram mais tropas de siros na terra de Israel” (6:23). A expressão “não entraram mais tropas de siros…” literalmente é “e as tropas de siros nunca mais se juntaram para entrar na terra de Israel”. A palavra “mais” diz respeito à negativa e não ao sujeito “tropas”. No entanto, logo a seguir lemos que Ben-Hadade, rei da Síria, ajuntou todo o seu exército, e subiu e cercou Samaria (6:24). A cada história que o historiador deuteronomista recebia, ele colocava a sua criatividade a funcionar para transmitir a mensagem que Deus lhe tinha dado. Os versículos 22 e 23 estão cheios de vocabulário que é usado particularmente pelo historiador deuteronomista, tais como “grande” (gadôl), “juntar” (yasap), “mais” ( 'aôd), “tropas” (gedôd). Esta palavra para “tropas”, por exemplo, é um termo que se usou mais tarde em hebraico.
Com o episódio de 6:8-23, o historiador queria demonstrar que Iavé trava as lutas do povo sem que este mova uma palha e também queria dizer que a vontade de Deus é que se trate bem os inimigos. Este texto certamente antecipa o que Jesus, mais tarde, viria a dizer: “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mateus 5:44). Esta é a vontade suprema de Deus. No entanto, o escritor de Reis antecipa ainda outra pergunta dos seus leitores: “E se, depois de terem um grande banquete, os nossos inimigos voltarem a atacar?”. Ele responde com outro episódio e mostra mais uma vez como Deus actua sem que o ser humano precise de fazer o que quer que seja (7:6-7).
Portanto, as narrativas podem mostrar uma falta de continuidade, como neste caso, mas o objectivo do escritor mantém-se, porque a mensagem que Deus tem para os leitores deste texto é única. Naquilo que Deus quer dizer há unidade, mas o escritor precisa de usar a sua criatividade, com vocabulário da sua época e desenvolvendo o enredo.
Os estudiosos do Antigo Testamento, começando com Martin Noth, são unânimes em considerar que os livros que vão de Josué até 2 de Reis foram escritos por um historiador influenciado pelo texto de Deuteronómio que tinha um objectivo teológico em mente. Pegando em todas as fontes que lhe estavam à mão, o historiador deuteronomista escreveu esta obra soberba, certamente para explicar ao povo a razão por que tinham sofrido toda a destruição da sua terra e o cativeiro da Babilónia.
É evidente que esta obra apresenta apenas partes da história de Israel e de forma reduzida. Os livros de Reis também são um esqueleto de “uma história que se estende desde a ascensão de Salomão até à destruição de Jerusalém, em 587”, conclui Brevard Childs, na sua obra Introduction to the Old Testament as Scripture (1979; pg. 288). Isto demonstra que a escolha do escritor é propositada e consciente. Ele deixa de fora aquilo que não lhe interessa e pega só naquilo que será útil para a mensagem que pretende transmitir, ou melhor, que ele sente que Deus quer que ele transmita. Ele tem um propósito do qual não quer desviar-se. Childs apresenta, pelo menos, duas intenções bem definidas. Ele diz que, primeiro, o autor quer mostrar que a história tanto de Israel (Reino do Norte) como de Judá (Reino do Sul) é só uma história do único povo de Deus. “Apesar da divisão política em dois reinos, o escritor recusa-se a tratá-los separadamente” (pg. 288). Portanto, estamos perante um propósito bem claro que é a interpretação teológica da história deste povo. Em segundo lugar, o escritor persiste em falar das razões para o julgamento iminente. As referências constantes a que determinado rei não fez o que era recto aos olhos do Senhor ou que andou no pecado de seus pais revelam que ele procura explicar teologicamente o julgamento divino.
Para o escritor sagrado era importante pegar nos eventos e encontrar a única explicação plausível para o que estava a acontecer com o povo. É evidente que ele muitas vezes não harmoniza muito bem as fontes de que lançou mão, mas isso é certamente para demonstrar que ele as está a utilizar e quer dar uma nova orientação interpretativa aos acontecimentos, principalmente quando procura mostrar a vontade suprema de Deus.
No texto sobre Eliseu, no capítulo 6:8-23, lemos que o rei da Síria estava em guerra com Israel, mas o profeta adivinhava todos os planos do rei inimigo e denunciava-os ao rei de Israel. O rei da Síria quis acabar com Eliseu, mas acabou nas mãos do rei de Israel. Este quis acabar com os sírios, mas Eliseu disse para os alimentar e deixar partir. Em forma de conclusão o historiador escreveu: “E apresentou-lhes um grande banquete, e comeram e beberam; e os despediu, e foram para o seu senhor; e não entraram mais tropas de siros na terra de Israel” (6:23). A expressão “não entraram mais tropas de siros…” literalmente é “e as tropas de siros nunca mais se juntaram para entrar na terra de Israel”. A palavra “mais” diz respeito à negativa e não ao sujeito “tropas”. No entanto, logo a seguir lemos que Ben-Hadade, rei da Síria, ajuntou todo o seu exército, e subiu e cercou Samaria (6:24). A cada história que o historiador deuteronomista recebia, ele colocava a sua criatividade a funcionar para transmitir a mensagem que Deus lhe tinha dado. Os versículos 22 e 23 estão cheios de vocabulário que é usado particularmente pelo historiador deuteronomista, tais como “grande” (gadôl), “juntar” (yasap), “mais” ( 'aôd), “tropas” (gedôd). Esta palavra para “tropas”, por exemplo, é um termo que se usou mais tarde em hebraico.
Com o episódio de 6:8-23, o historiador queria demonstrar que Iavé trava as lutas do povo sem que este mova uma palha e também queria dizer que a vontade de Deus é que se trate bem os inimigos. Este texto certamente antecipa o que Jesus, mais tarde, viria a dizer: “Amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mateus 5:44). Esta é a vontade suprema de Deus. No entanto, o escritor de Reis antecipa ainda outra pergunta dos seus leitores: “E se, depois de terem um grande banquete, os nossos inimigos voltarem a atacar?”. Ele responde com outro episódio e mostra mais uma vez como Deus actua sem que o ser humano precise de fazer o que quer que seja (7:6-7).
Portanto, as narrativas podem mostrar uma falta de continuidade, como neste caso, mas o objectivo do escritor mantém-se, porque a mensagem que Deus tem para os leitores deste texto é única. Naquilo que Deus quer dizer há unidade, mas o escritor precisa de usar a sua criatividade, com vocabulário da sua época e desenvolvendo o enredo.
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