quinta-feira, 29 de julho de 2010

O TRIBUNAL DE DEUS

Desde que o ser humano deixou de acreditar na existência do julgamento divino, o conceito de justiça desmoronou-se. As pessoas começaram a fazer o que queriam porque sabem que sempre conseguirão provar a sua inocência. Num julgamento actual, tudo é possível. De ambas as partes envolvidas no julgamento pode-se assistir ao fabrico de provas, às testemunhas falsas (e vá-se lá saber quem está a falar a verdade). Os processos vão-se arrastando a ponto de já não sabermos como foram os factos. Todos querem justiça. Os arguidos dizem que só se fará justiça quando os declararem inocentes. Os acusadores (vítimas) dizem que só se fará justiça quando os culpados forem julgados como culpados. Os que assistem a todo este imbróglio começam a simpatizar com uma das partes e fazem os seus próprios julgamentos, muitas vezes sem conhecimento das provas em concreto.
Confesso que olhando para todos estes processos mediáticos já não sei em quem acreditar. Terão realmente os acusadores, o Ministério Público, forjado provas? Será que as vítimas foram subornadas para fazerem as acusações? Terão os arguidos tentado comprar as vítimas? Será que destruíram provas importantíssimas para o processo? O facto é que ninguém tem visão de raio x para perscrutar o íntimo de mente de cada ser humano para descortinar a verdade do que aconteceu.
É por isso que Paulo escreveu aos romanos, fazendo duas perguntas cruciais para chegar à conclusão mais premente que o ser humano tem posto de parte. O texto diz: “Mas tu, por que julgas a teu irmão? Ou tu, por que desprezas teu irmão? Pois todos havemos de comparecer ante o tribunal de Cristo” (Romanos 14:10). Os manuscritos mais antigos têm a palavra “Deus” em vez de “Cristo”. O que se pode deduzir é que os copistas posteriores alteraram a palavra por influência do versículo anterior, mas também pela convicção de que Cristo é Deus. De uma forma ou de outra, Paulo está a falar do tribunal de Deus. Por outras palavras, ele está a dizer que o ser humano facilmente se esquece que tem um tribunal superior a ele, e por isso incorre em duas atitudes que não são louváveis: o julgar e o desprezar. Estas atitudes não são louváveis porque, primeiramente, estão inseridas no contexto da comunidade cristã, onde todos foram salvos pela fé em Cristo e feitos participantes da família de Deus, por adopção divina e, em segundo lugar, porque todos (pántes) vamos comparecer no tribunal de Deus.
A palavra “julgar” (krínô) tem o sentido de um julgamento severo que se faz do irmão. Esta atitude não dignifica em nada a comunidade cristã nem honra o nome de Deus. Se a sociedade secular não tem tido melhoras nos comportamentos judiciais é porque os cristãos não têm demonstrado o benefício de vivermos numa comunidade onde devia imperar o amor e não o dedo acusador. Quem sou eu para acusar um irmão meu que procura viver o melhor que pode e sabe em comunhão com Deus? Mas a atitude de desprezo (eksouthenéô) também não é boa. Há muitas pessoas que parece que têm orgulho em desprezar os outros porque confiam em si mesmos e se acham justos. Será que se perdeu a noção de que somos uns miseráveis pecadores que precisam da graça de Deus? Quem sou eu para me considerar superior ou mais justo do que os outros?
Se eu não tenho capacidade para fazer um julgamento recto e com equidade, então só posso esperar no julgamento de Deus. Só ele tem o poder de esquadrinhar todos os meus pensamentos e o dos outros e saber quais são as intenções do coração. Paulo, ao usar termos técnicos judiciais, mostra a seriedade do assunto. O termo “tribunal”, em grego bêma, era uma espécie de lugar elevado ou tribuna onde se faziam discursos públicos. A utilização deste termo aplicado a Deus denota a abertura e transparência do acto. Para Deus nada há encoberto que não se venha a saber. Desta forma não se dá azo a atitudes insidiosas e trapaceiras. Não há uma única pessoa que fique isenta do julgamento divino. Se assim não fosse, como poderíamos viver neste mundo sem escrúpulos, sem dó nem piedade? Se não houvesse o julgamento de Deus, todos estaríamos a fazer justiça pelas nossas próprias mãos e segundo a nossa perspectiva, que acaba por ser sempre duvidosa. James Dunn, sobre este versículo, escreveu o seguinte: “O julgamento cristão sobre as coisas é válido e na verdade essencial (v.5), mas o julgamento das pessoas deve dar lugar ao julgamento de Deus” (J. Dunn, Romans 9-16, Word Book, 1988, 808). É importante não esquecer que podemos ter pontos de vista diferentes sobre determinadas coisas e até ter opinião divergente sobre determinados comportamentos. No entanto, devemos é estar cientes se o fazemos para Deus ou para nossa própria satisfação. Deus lá estará para julgar as pessoas em última instância.
Se todas as pessoas tivessem este cuidado em não apontar o dedo aos outros, certamente a atitude de cada um seria diferente e conseguiríamos viver mais em paz e tranquilidade uns com os outros. Não nos esqueçamos: O tribunal de Deus é uma realidade, e todos nós estaremos lá um dia.

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